quarta-feira, 4 de maio de 2011

Do valor simbólico do Dinheiro

Eu não estou interessado em dinheiro, mas nas coisas que o dinheiro é o símbolo. (Henry Ford)

Nas últimas semanas ocorreram duas situações que me remeteram a um tema que, ainda que tenha um potencial para ser um vespeiro, sempre me agradou: A relação que temos com o dinheiro. Num almoço com amigos, um deles Calvinista, falava sobre a diferença básica entre estes e os luteranos, passando pelos católicos em relação ao dinheiro. Em linhas gerais, uma das características do Calvinismo é libertar as pessoas de qualquer sentimento de culpa relacionada a ganhar dinheiro. Obviamente que ainda assim, o ganhar dinheiro é impregnado de contornos de ética e moral muito bem delimitados (assim evitamos que, erroneamente, os mais afoitos identifiquem aqui as origens do capitalismo dito selvagem).

A outra situação refere-se a uma amiga que não consegue guardar dinheiro, como se fosse algo impuro ou errado. Inconscientemente, torra tudo que ganha, mas revela nas entrelinhas da sua fala que dinheiro simboliza algo negativo.

Por falar em símbolo, o significado da palavra deriva do grego symbállo , “coloco junto”. Na Grécia antiga era um costume partir algum objeto como uma moeda ou anel e oferecer a metade a um amigo. Conservadas ao longo do tempo permitiam que os descendentes se reconhecessem. Ou seja, as duas metades reunidas recompondo o objeto original conferiam o significado original.

Mas e o dinheiro?, infelizmente mal compreendido como vil metal. De uma maneira muita simples é uma convenção entre pessoas ou entes que lhe atribuem um valor comum para poderem efetuar trocar de produtos ou serviços. Pois bem! O dinheiro (a) tem seu valor atribuído por mútuo acordo (sempre podemos recusar ou aceitar uma oferta), e (b) é usado para permitir que pessoas troquem coisas entre si.

Bom, se há um valor de face, parece razoável que exista um valor percebido, que não necessariamente corresponde àquele. Receber ou ganhar dinheiro então, significa que um valor é atribuído ao nosso trabalho. Ocorre que muitas vezes, inconscientemente não nos sentimos merecedores daquilo. Como se não fossêmos dignos do dinheiro que nos é dado. É comum, principalmente na cultura ocidental considerar o ganho como alguma espécie de pecado, sinal de exploração. Ou, como se a busca por conforto material fosse algo desprezível ou sem valor. Mas o problema é do dinheiro ou é do valor que a ele atribuímos?

É curioso como as pessoas indignam-se com aqueles que misturam dinheiro com qualquer espécie de sentimento positivo. Se um pai dá presentes aos filhos, a patrulha já logo sai a dizer que o faz motivado pela culpa em não oferecer afeto; se a mulher casa com um homem mais rico, os patrulheiros já dão a sentença: “não passa de uma pilantra, interesseira!”. Será que é isto mesmo? Obviamente que todos nós sempre sabemos a fórmula ideal... geralmente para o outro, mesmo que para nós mesmos não funcione lá muito bem. O pai deve dar afeto, dar conforto, dar carinho, enfim, ser um herói. Mas como todo humano, ele também tem lá suas questões, limites e dificuldades. E se o presente, comprado com dinheiro, é o símbolo do afeto? Mas lá vem novamente os técnicos do afeto: “isto é mercantilizar os sentimentos!”. Convenhamos, se o dinheiro é usado como uma forma de veicular um afeto não literal, e, se o destinatário o aceita de bom grado, o que está errado? Se as duas metades da moeda juntas fazem os dois lados reconhecerem o significado em comum, onde está o mal? E o mesmo aplica-se à nossa interesseira! Se há dois adultos que, na sua expressão de vontade livre e autônoma resolvem permutar dinheiro por afeto, quem pode dizer que há algo errado? Se não há sofrimento psíquico envolvido, por que deveríamos reprovar o comportamento. Sem dizer que afeto é muito mais sobre o que o outro pode oferecer do que necessariamente aquilo que exigimos. E a oferta pode ser afetuosa através de uma escuta, de uma ajuda para fazer um trabalho, um auxílio prático, o pagamento de alguma coisa, um telefonema... o céu é o limite. A questão é se temos maturidade para aceitar o que nos é dado.

O dinheiro em si não é nada. Seja o valor de face, seja o valor percebido isto é algo que nós atribuímos social, cultural e individualmente. Assim, ganho ou conquistado, por labuta ou presente, decida você o valor que ele merece. Seja benéfico ou pernicioso, positivo ou deletério é você que tem o poder de criar uma crença ou a destruí-la em relação a um pedaço de papel. E vamos combinar!, se não existisse o dinheiro, em suma seria tudo igual, com um dose adicional de dificuldade: Como padronizaríamos os valores de troca entre produtos e objetos?: “Minhas dez galinhas valem metade do seu carneiro! Parta-o ao meio, assim poderemos fazer negócio!”. Ou seja, não deixaríamos nossa “humanidade” de lado por conta da ausência de dinheiro. É justamente a nossa humanidade quem determina o significado que damos ao dinheiro, e não ele que define nossa natureza. É um erro de lógica considerar que o dinheiro pode ser a matriz de nossa identidade.

Vale lembrar que o desejo, manifesto, latente ou reprimido é que norteia a forma que atribuímos valor às coisas. Mais interessante investigarmos quais nossas motivações e desejos por trás de nossos julgamentos. O que emerge das nossas opiniões? Qual a finalidade daquilo que acreditamos? O que queremos camuflar ou evitar contato ao adotar uma posição moral?

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